EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Olhares Possíveis
Olga Maria Schneider Medeiros
Resumo: A preocupação de toda a sociedade com a Educação, reconhecida atualmente como o caminho mais eficiente para erradicar ou ao menos amenizar as chagas sociais em nosso País, traz ao Curso de Licenciatura em Pedagogia a Distância a temática Alfabetização, Letramento e EJA. O presente trabalho representa a sistematização dos movimentos realizados ao longo da disciplina Estudos Colaborativos Orientados com a finalidade de apresentar os elementos empíricos do subtema: Alfabetização de adultos como possibilidade concreta dos sujeitos agirem como protagonistas de suas histórias, aliado à abordagem sobre a participação dos sujeitos nos processos sociais de uso da leitura e da escrita em nossa sociedade. Dessa forma aproxima-se a visão sobre ambientes alfabetizadores e comportamentos sociais de leitura e escrita e foi possível ampliar o entendimento do tempo e espaço necessários para a alfabetização, tendo em vista o valor desta ação pedagógica em uma sociedade grafocêntrica. Neste mesmo sentido, ao colocar em confronto com o falar próprio dos sujeitos, refletiu-se quanto a um movimento de entender com maior consistência a tarefa da escola em relação às classes populares. O objetivo do trabalho é realizar um relato das atividades realizadas na disciplina a partir do 4º semestre até o momento atual, o decorrer do 5° semestre. Os parceiros eleitos para o desenvolvimento das atividades são a Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Otto Flach – CIEP em Cerro Largo – RS, a turma de Educação de Jovens e Adultos e sua professora, focados sob um olhar de oportunidade e possibilidade da descoberta de talentos. Apresenta-se a fundamentação teórica com o embasamento da experiência acadêmica e em pesquisas virtuais e presenciais sobre o assunto. A interação entre alunos/alunos, alunos/tutores e alunos/professores proporcionada por Fóruns, Chats ou Mensagens Instantâneas e a realização de Seminários de ECO mostraram-se particularmente importantes, proporcionando subsídios valiosos para a futura docência. Os resultados apresentados foram obtidos através da realização de atividades propostas pela Universidade Federal de Pelotas na graduação de LPD fundamentados em fatos vivenciados e amparados nas pesquisas realizadas. As conclusões apontam para o fato de que para ser professor é necessário ter talento. O olhar com talento do professor unido ao seu saber e aliado ao saber do aluno faz da aprendizagem um ato de grande beleza. Enquanto acadêmica interessada em transformar a sala de aula em um espaço possível para a descoberta de talentos, a investigação/pesquisa tem a intenção de focar o olhar para a leitura da história dos sujeitos envolvidos, um olhar na realidade trazida pelas pessoas, e que possa servir como indicativo de solução de problemas que venham a ser detectados no processo de construção da aprendizagem ou, em última análise, no processo de Aprender a Aprender.
Palavras chave: Alfabetização; Jovens e Adultos; Letramento.
Eixo: Estudos Colaborativos Orientados - ECO.
1. Introdução
O mundo contemporâneo apresenta mudanças que afetam todos os setores da sociedade. Apesar da crônica desigualdade social e da elevada concentração de renda revelada pelas estatísticas, o Brasil criou condições para crescer e repartir sua riqueza com mais justiça. O século passado deixou uma lição: a Educação é o caminho mais eficiente para o país erradicar ou ao menos amenizar suas chagas sociais, e a Educação está na pauta das discussões em todos os setores da sociedade.
O conhecimento é parte integrante da nossa vida. É com ele que percebemos o mundo que nos cerca e encontramos as maneiras de superar as dificuldades e os obstáculos decorrentes do viver neste Mundo.
Houve época em que se acreditou que o conhecimento estava nas pessoas e que ensinar era o processo pelo qual se fazia aflorar este conhecimento interior, inato. Houve também um tempo em que se acreditou que o conhecimento estava fora das pessoas e que ensinar consistia em transferir o conhecimento externo para dentro das pessoas. A escola tradicional é a explicitação desta forma de pensar. Nem fora nem dentro: o conhecimento se constrói na relação dos seres humanos com o Mundo, nasce na relação dos homens e mulheres com o Mundo, incluindo nele todos os outros seres humanos.
A organização curricular voltada para a investigação/pesquisa desde o início do Curso de Licenciatura em Pedagogia a Distância – CLPD reforça a percepção do papel insubstituível dos sujeitos e a importância de seu entorno. Incorporada como conteúdo pedagógico através de diálogos, raciocínio e lógica, a existência real dos alunos e o que se passa em seu interior é assimilado e transformado em finalidade do processo ensino/aprendizagem, na busca incessante e continuada do aprender a aprender.
O objetivo deste trabalho é realizar um relato das atividades propostas na disciplina Estudos Colaborativos Orientados a partir do 4º semestre do CLPD até o momento atual, o decorrer do 5° semestre. Os parceiros eleitos para o desenvolvimento das atividades são a Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Otto Flach – CIEP em Cerro Largo – RS, a turma de Educação de Jovens e Adultos inserida na escola através de convênio firmado com a Prefeitura Municipal e sua professora Joseane Schneider, focados sob um olhar de oportunidade e possibilidade da descoberta de talentos.
O modo de investigação que fundamenta o trabalho é caracterizado pela experiência vivenciada no curso de Licenciatura em Pedagogia a Distância e em pesquisas presenciais e virtuais sobre o assunto. A interação entre alunos/alunos, alunos/tutores e alunos/professores proporcionada por Fóruns, Chats ou Mensagens Instantâneas e a realização de Seminários de ECO mostram-se particularmente importantes, proporcionando subsídios valiosos para a futura docência. Os parâmetros servirão de balizadores para a construção dos enfoques que serão tratados na conclusão, porém não são únicos e nem se encerram em si mesmos.
1.1 Atividades Iniciais – Temáticas
Instruída no início de Março/2010 a optar por uma temática entre: Educação Inclusiva, Alfabetização, Letramento e EJA, Gestão da Escola, Educação Infantil e Educação, Conflitos e Contradições – Mediação de Conflitos na Escola, optei por Alfabetização, Letramento e EJA. Nesta temática discute-se as situações próprias e concretas colocadas aos docentes no momento em que se põem no desafio de acompanhar a alfabetização de cada sujeito que ingressa na escola. Trazendo a colaboração de diferentes áreas, a fim de compreender em que medida as ações concretas de alfabetização na escola precisam ser redefinidas e refletidas pelo conjunto de sujeitos envolvidos: pais, professores, alunos, funcionário e equipe diretiva, foi necessário ampliar o entendimento do tempo e do espaço possível para a alfabetização, tendo em vista o objetivo maior desta ação pedagógica em uma sociedade grafocêntrica. Neste mesmo sentido, ao colocar em confronto com o falar próprio dos sujeitos, refletiu-se quanto a um movimento de entender com maior consistência a tarefa da escola em relação às classes populares.
Aos 17 de Abril de 2010, em um primeiro diálogo com a professora parceira, buscou-se referências para a futura postura docente. Como possibilidade de refletir sobre práticas concretas para além da teoria e as formas de fazer acontecer o processo de aquisição de conhecimento, chega-se às seguintes pontuações: “Alfabetizar é formar leitores e escritores com condições de plena participação social”. Entende-se essa afirmativa da professora como confirmação da teoria, amparada em concepções freireanas, uma vez que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. (FREIRE, 1983). Ou seja, alfabetizar é formar pessoas que consigam ler, escrever, interpretar, calcular aquilo que fazem e aquilo que lhes é proporcionado para debates e discussões, de acordo com as situações de vida apresentadas. Não podemos formar analfabetos funcionais: pessoas que mesmo tendo anos de estudo não conseguem compreender o que lêem, ou não são capazes de elaborar um texto próprio.
Concorda-se com a professora parceira em:
“A alfabetização não se limita ao primeiro ano de escolarização. Este primeiro ano de contato com a leitura e a escrita envolve a dificuldade maior que é a pronúncia do som da letra, da sílaba, da palavra. O desconhecimento da letra acarreta o problema da escrita já que se não a conhece na leitura também não a conhece na escrita. Precisamos descobrir, junto com cada aluno, como pegar o começo da aprendizagem. O mesmo ocorre com a descoberta dos algarismos e o início dos exercícios de cálculo matemático”. (SCHNEIDER, Joseane, Abril 2010, Diálogo).
Conforme Joseane: “Não há um padrão, cada aluno está em um nível, o trabalho é quase individual, dá-se a cada um aquilo que ele necessita para conseguir ler ou escrever” ou ”O maior e melhor material para produzir leitura e escrita é a vida dos alunos, o seu dia a dia, a sua realidade e devemos ter um cuidado muito especial com esse material”.
Encerrando o diálogo concordamos que devemos fazer das aulas, da aprendizagem, um momento de encontro prazeroso para o professor e o aluno, buscando um caminho para construir o conhecimento fundamentado na realidade que cada um deles vive ao mesmo tempo em que aprende.
1.2 Atividades Iniciais – Subtemáticas
Em Maio/2010 optei por Alfabetização de Adultos como possibilidade concreta dos sujeitos agirem como protagonistas de suas histórias aliado ao subtema Participação dos sujeitos nos processos sociais de uso da leitura e da escrita em nossa sociedadeaproximando assim as discussões sobre ambientes alfabetizadores e comportamentos sociais de leitura e escrita.
O adulto não retorna à escola com a intenção de recuperar um tempo perdido ou para aprender algo que não aprendeu quando criança. O que ele busca é um aprendizado para as suas necessidades atuais. Inseridos em uma sociedade que está mudando as suas formas de se organizar, de produzir bens, de comercializá-los, de se divertir, de ensinar e de aprender, ser alfabetizado é uma condição que se mostra urgente.
2. Educação de Jovens e Adultos – Letramento
Levando em conta as demandas sociais por leitura e escrita recorre-se, a partir de agora, à noção de letramento e busca-se averiguar as relações entre o processo de letramento e o processo de escolarização.
Na década de oitenta, surgiu o termo analfabetismo funcional para designar as pessoas que, sabendo escrever o próprio nome e identificar letras, não sabiam fazer uso da leitura e da escrita no seu cotidiano. A medida era o tempo de permanência nas escolas: com menos de quatro anos considera-se que o indivíduo não tenha se apoderado da leitura e da escrita, sendo, portanto, analfabeto funcional. Observou-se, porém, que mesmo entre os que permaneciam por mais tempo nas escolas, alguns não eram capazes de interagir e se apropriar da leitura e escrita. Cria-se então, o termo letramento, para designar esta nova condição.
Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Os estudos sobre o letramento, desse modo, não se restringem somente àquelas pessoas que adquiriram a escrita, isto é, aos alfabetizados. Buscam investigar também as consequências da ausência da escrita a nível individual, mas sempre remetendo ao social mais amplo, isto é, procurando, entre outras coisas, ver quais características da estrutura social têm relação com os fatos postos.
Quando se considera a importância do letramento, ficam de lado os exercícios mecânicos e repetitivos, baseados em palavras e frases descontextualizadas. O enfoque está no aluno que constrói seu conhecimento sobre a língua escrita e não no professor que ensina. Para Vygotsky (1984), o letramento representa o coroamento de um processo histórico de transformação e diferenciação no uso de instrumentos mediadores. Representa também a causa da elaboração de formas mais sofisticadas do comportamento humano que são os chamados “processos mentais superiores”, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de problemas etc.
Magda B. Soares apresenta letramento como:
“O estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita participam competentemente de eventos de letramento”. (SOARES, 2002, p.145 apud GARCIA, 2005).
A autora identifica duas dimensões de letramento: a individual e a social. A dimensão individual de letramento, que envolve especificamente a competência de ler e escrever e compreender o que está lendo e escrevendo, requer um conjunto de habilidades, quais sejam: motoras, cognitivas e metacognitivas. Soares ressalta ainda que ler e escrever são processos diversos, embora complementares, que requerem habilidades diferenciadas. A dimensão social do letramento apresenta-se como uma prática social, ou seja, de que forma, em um determinado contexto, as pessoas demonstram familiaridade com algumas práticas de leitura e de escrita.
Em sociedades letradas, a escrita na vida como um todo se faz de um modo forte, não só nas atividades de ler e escrever, mas nas atividades orais, já que a fala das pessoas letradas é muito marcada pela linguagem que se escreve. Este quadro se modifica dependendo do acesso que se tem a círculos letrados, diferenciando-se, portanto, entre as classes sociais.
“O letramento é também produto de uma participação ativa em determinada atividade social e produz certa disposição; o modo como alguém participa de certa atividade, e, consequentemente, a voz que alguém está apto a assumir [...]”. (MEY, 2001, p.241 apud GARCIA, 2005).
O autor utiliza a palavra “voz” no sentido metafórico, ou seja, para qualquer atividade relativa ao uso da linguagem. Pode-se relacionar tais vozes às variedades linguísticas e especialmente à variedade considerada padrão, a chamada norma culta. Quer dizer, a participação ativa em determinada atividade social letrada me torna apto a assumir a voz letrada. A voz letrada seria a voz legitimada socialmente.
2.1 Alfabetização de Adultos como possibilidade concreta dos sujeitos agirem como protagonistas de suas histórias
Paulo Freire afirma que:
“Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade”. (FREIRE, 2005, p.97).
As anotações sobre a o diálogo com a professora Joseane, em 20 de Maio de 2010, mostram as seguintes anotações:
Procuro planejar as aulas considerando a necessidade dos alunos, usando diferentes dinâmicas, uma para cada dificuldade apresentada;
Diariamente preciso planejar como ensinar cada letra, o som dela e das sílabas. É esta a fase em que estamos agora. Só conseguirão escrever as palavras quando compreenderem cada uma destas etapas. A mesma coisa com os números e sua escrita. É importante trazer os materiais certos e tentar que consigam sempre aprender algo;
Não sigo uma rotina. A aula depende do interesse deles. Não gostam de sair da sala e apenas quando a Escola planeja algum programa, saem da sua rotina. Possuem consciência de sua situação - são adultos analfabetos - e estão em sala de aula para aprender. É o seu único objetivo.
Sobre essas considerações da professora encontra-se a articulação de diversos autores que confirmam o acerto desta ação pedagógica.
Tutora a distância:
“O aluno do EJA apresenta um grande potencial, pois nos traz sua experiência de vida, seus conhecimentos. E a partir destes conhecimentos podemos desenvolver um trabalho significativo de valorização e auto-estima, pois como bem sabemos, eles não são uma "folha em branco" em que iremos iniciar um trabalho isolado de tudo o que eles já conhecem e vivenciaram”. (TDLP PEREIRA, 7 abril 2010, Feedback).
Sobre “Possuem consciência de sua situação – são adultos analfabetos – e estão em sala de aula para aprender. É o seu único objetivo”.
“Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita”. (SOARES, 1998, p.22).
Entre as tarefas propostas há a oportunidade de relatar o objetivo de alguns integrantes da turma parceira: o aluno que, para "subir" no emprego quer a carteira de motorista ou a aluna, empregada doméstica, que para “agradar a patroa”, quer ler receitas culinárias.
“A escrita tem um valor social exatamente porque pode ser compartilhada”. (DURAN, 1991).
A professora-parceira também afirma: “É importante trazer os materiais certos e tentar que consigam sempre aprender algo”.
"Sabemos que uma pequena variação no material, na tarefa realizada pela criança, na estratégia pedagógica ou no conteúdo, produz respostas diferentes ou respostas resistentes à mudança. A modificação ou a resistência são sempre indicadoras de que alguma coisa funciona de determinada maneira: na cabeça do professor, na cabeça da criança ou na própria situação. Porém, já sabemos que o fazer pedagógico consiste na mudança permanente de estratégias para conseguir os objetivos da Aprendizagem”. (TEBEROSKY, apud DURAN, 1991, p.111).
Em “Procuro planejar as aulas considerando a necessidade dos alunos, usando diferentes dinâmicas, uma para cada dificuldade apresentada”, tem-se a articulação de Madalena Freire:
“O conteúdo emerge, explode da vida e, é na vida do grupo (dos sujeitos cognoscentes), que se constrói a dinâmica. Dinâmica aqui, entendida como fruto rítmico do jeito que o grupo vive o estudo dos conteúdos”. (FREIRE, 2008, p.171).
Ao considerar “Não sigo uma rotina. A aula depende do interesse deles”, percebe-se que a rotina faz parte do fazer pedagógico, ainda que professora parceira não a veja como tal, apoiada novamente em Madalena Freire e na constatação de que não há problemas de disciplina na turma:
“Educar a liberdade é educar os próprios limites (e potencialidades) em sintonia com os da realidade, onde a construção da rotina e da disciplina são ferramentas básicas”. (FREIRE, 2008, p.35).
A ação/reflexão que produz conhecimentos é capaz de mudar o Mundo e a nós mesmos. Todos nós vivenciamos esta experiência segundo nossos valores, aspirações e de acordo com nossas experiências anteriores. Esta vivência pessoal pode ser comunicada, mas não pode ser transferida aos outros. Vivência não se transfere. Igualmente, o conhecimento que é parte integrante desta vivência não pode ser transferido. Pode ser comunicado, mas comunicar conhecimento não é transferi-lo. Comunicar o que eu sei sobre como se lê ou escreve não tornará ninguém alfabetizado. É preciso que este alguém passe pela experiência do agir/pensar que constrói o conhecimento.
Percebe-se assim, que o processo de conhecer se faz na relação com os outros. O conhecimento dos outros repercute nos meus e os meus repercutem no dos outros, mesmo quando não nos damos conta disto. É verdade que a intensidade e profundidade destas percepções são variáveis e dependem de uma série de fatores que incluem oportunidade, necessidade, curiosidade, interesse e da infinidade de fatores que constituem a complexa natureza humana.
2.2 As necessidades dos alunos de EJA
Nas classes de EJA, encontram-se questões em que nunca pensamos, muitas vezes bem diferentes das que tradicionalmente têm lugar nas salas de aula: Saber fazer orçamento por escrito (o que escrever, a forma de escrever, como calcular preços); Fazer recibos; Conhecer o desenvolvimento das crianças (filhos e/ou netos); Alimentação e saúde; Aspectos ligados à hereditariedade; Como divulgar o que se faz para vender: tricô, doces, sabonetes, pães; Fazer orçamento doméstico para controlar os gastos; Saber preencher fichas (em firmas, oficinas, bancos, INSS); Criar senhas; Usar caixas eletrônicas. Não é difícil perceber que a partir destas questões chegamos de forma natural a muitos dos conteúdos considerados escolares e que, de fato, se constituem como elementos importantes para solucionar as questões da vida diária.
Habituados a seguir ordens, os alunos de EJA são frágeis do ponto de vista da prática do pensar e do tomar decisões. Isso aumenta a responsabilidade da escola como espaço capaz de incentivar essa capacidade tão fundamental ao ser humano. Significa que a sala de aula de EJA tem a responsabilidade de ser marcada por atividades que envolvem o pensamento, em detrimento das que apontam à mera memorização do que se pretende ensinar. Comentar o que está sendo aprendido, tomar posição diante de um fato ocorrido e contribuir na sua própria avaliação são situações que certamente contribuirão para o crescimento desses alunos.
Quando o professor pensar que a maior parte dos conteúdos que tem para dar conta na sua sala de aula não tem o menor interesse para seus alunos, deve desistir de ensinar estes conteúdos porque no máximo, conseguirá que eles memorizem alguns discursos sobre eles, que serão facilmente esquecidos. Esta memorização não tem nenhum parentesco com o conhecimento. Aprendendo melhor o que já sabem e o que ainda não sabem sobre os assuntos sobre os quais estão interessados, os alunos ampliarão os próprios horizontes e interesses. Esta ampliação poderá atingir alguns conteúdos considerados obrigatórios ensinar e aí, então, o professor terá sucesso em ensiná-los. De qualquer forma, ficará um ganho muito maior do que o de uma memorização inútil: o exercício de reflexão que fizerem para conhecer, ajudará as futuras reflexões a serem menos trabalhosas.
3. Resultados
A utilização adequada das teorias disponíveis, aliadas a um movimento de construção e pesquisa, ao diálogo e às parcerias servem de referências para auxiliar na busca de encaminhamentos concretos para a superação de situações enfrentadas no cotidiano escolar. Dessa forma, oferece-se à educação importantes instrumentos, capazes de contribuir para a melhoria da acessibilidade ao processo de construção do conhecimento, resultando impactos que estimulam a criação de novas maneiras de aprender e propiciam o surgimento de novos ambientes educacionais e também colaboram com o desenvolvimento de reflexões mentais, que favorecem a imaginação, a intuição, a capacidade de decisão e a criatividade, fundamentais para a sobrevivência individual e coletiva.
4. Considerações finais
Neste trabalho foram abordadas questões relacionadas a Educação de Jovens e Adultos e sua viabilidade como ferramenta de inserção dos sujeitos numa sociedade grafocêntrica. Dentro das diferentes abordagens apresentadas, pode-se vislumbrar a ampliação do entendimento sobre a tarefa de alfabetizar de forma muito mais abrangente do que a distinção entre métodos de ensino, sem negar o espaço próprio destes nas discussões sobre o tema.
A escola é um espaço privilegiado para a busca do conhecimento. As pessoas chegam lá para aprender e quando isto não acontece a ida à escola perde o sentido. Aprender dá trabalho, às vezes muito trabalho! Os professores devem ter isto sempre presente. Devem estar preocupados em não convidar seus alunos a realizar um trabalho inútil. Trata-se de uma questão ética. Trabalho inútil ocorre quando é realizado para obter um conhecimento que não lhes dá nenhum retorno efetivo. É inútil também quando dele não resulta nenhum conhecimento.
Nesse sentido, cita-se Brubacher em “Transmissão Verbal do Conhecimento”:
“O processo ensino-aprendizagem pode ser assim sintetizado: o professor passa para o aluno, através do método de exposição verbal da matéria, bem como de exercícios de fixação e memorização, os conteúdos acumulados culturalmente pelo homem, considerados como verdades absolutas. Nesse processo, predomina a autoridade do professor enquanto o aluno é reduzido a um mero agente passivo. Os conteúdos, por sua vez, pouco têm a ver com a realidade concreta dos alunos, com sua vivência. Os alunos menos capazes devem lutar para superar as suas dificuldades, para conquistar o seu lugar junto aos mais capazes”.(J. S. BRUBACHER in Portal do MEC-ejacaderno5.pdf).
A escola, na visão tradicional, perde uma excelente oportunidade de ser um espaço onde todos, democraticamente, exercitem o seu direito de atuar como sujeitos. Sujeitos, diante dos conhecimentos, das outras pessoas e da natureza.
Para os alunos de EJA pesa ainda a desvalorização dos conhecimentos que construíram ao longo da vida. Considerados equivocados e pouco significativos, os conhecimentos que estes alunos trazem, deixam de ser considerados como base para os novos conhecimentos que buscam aprender: o saber medir da costureira desaparece, a forma de calcular dos pedreiros é considerada imprecisa, o jeito de falar do povo é visto como cheio de erros gramaticais. Esta situação torna bem mais difícil chegar àquilo que o professor tenta ensinar. Pior do que isto, estes alunos colocam-se em posição de inferioridade diante daqueles que são capazes de aprender melhor do que eles. Consideram-nos mais inteligentes e não percebem que eles tiveram maiores oportunidades, inclusive a de uma concepção de conhecimento que lhes favoreceu.
A leitura do Mundo é contínua ao longo da vida de cada sujeito, é ampla, única e se modifica constantemente, constituindo a sua história. História que não pode ser menosprezada devendo ser valorizada e respeitada, e é transformada na medida em que ele se movimenta entre diferentes espaços. O professor é privilegiado ao ter a oportunidade de acompanhar a leitura do Mundo de cada um dos sujeitos da realidade humana da escola, seja ele aluno, pai, mãe, colega, professor, vizinho, amigo, servidor. É a diversidade que faz a grande diferença. Analisado cada momento da ação destes protagonistas como oportunidade e possibilidade para aprender, ela pode ser transformada na descoberta de talentos
Os talentos surgem quando fomentados, motivados, provocados e incentivados. Eles precisam de espaço. E precisam ser descobertos. Porém, não é o olhar de quem está ali com o intuito de informar e transmitir conhecimentos que vai fazer com que isto aconteça. É o olhar com talento que pode perceber outro talento. Este olhar é de quem concebe e acredita que o ato da construção da aprendizagem acontece por meio de oportunidades, atiçando a curiosidade, dialogando, indagando, trocando, compartilhando, interagindo, descobrindo, fazendo e refazendo, criando e recriando.
Para ser professor é necessário ter talento. O olhar com talento do professor unido ao seu saber e aliado ao saber do aluno faz da aprendizagem um ato de grande beleza. Enquanto acadêmica do Curso Licenciatura em Pedagogia a Distância e interessada em transformar a sala de aula em um espaço possível para a descoberta de talentos, realiza-se as tarefas de investigação/pesquisa do Eixo Estudos Colaborativos, com a intenção de enfocar um olhar com talento para a leitura da história dos sujeitos envolvidos, um olhar enfocado na realidade trazida pelas pessoas, que em última análise possa servir como indicativo de solução de problemas que venham a ser detectados no processo de construção da aprendizagem ou, em última instância, no processo de Aprender a Aprender.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. São Paulo, Brasiliense, 1981.
CASTRO, Rafael F. Aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento em Vygotsky. Disponibilizado no AVA ECO III Fórum Alfabetização, Letramento e EJA por Darlene Rosa da Silva TDLP. Acesso em Março/2010. Aprendizagem_conhecimento_e_desenvolvimento_em_Vygotsky_2_.pdf
DURAN, Marília C. G. O desafio metodológico na relação ensino-aprendizagem. In: A didática e a escola de 1º grau. São Paulo: FDE, 1991, p.150-158. (Série Idéias, 11). Disponibilizado no AVA ECO III Fórum Debate entre Pólos por ACLP Carla Denise de B. Nunes alfabetizacao_p105-113.pdf. Acesso em Março 2010.
FREIRE, Madalena. Disponibilizado no AVA CECE ADE. Texto: Excertos Madalena Freire. Acesso em Maio/2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 46ª ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 2005, p. 96-99. Texto disponibilizado no AVA COEGD EI O diálogo começa na busca do conteúdo programático. Acesso em Janeiro/2010.
GARCIA, Inez H. M. Alfabetização e Letramento na Educação de Jovens e Adultos. In V Colóquio Internacional Paulo Freire Recife, 19 a 22 de setembro 2005. Disponível no AVA ECO III Fórum Debate entre Pólos por Carla D. B. Nunes ALFABETIZACAO_E_LETRAMENTO_NA_EDUCACAO_DE_JOVENS_E_ADULTOS.pdf. Acesso em Março/2010.
PEREIRA, Ana L. Feedback Tutora a Distância em Abril/2010. Disponível em www.ufpel.edu.br/lpd Atividades de ECO, acadêmica 08201113.
SOARES, Magda B. Letramento, um tema em três gêneros, Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 1998.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984 org. M. Cole e outros – textos originais de diferentes datas. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a05v2171.pdf Acesso em Maio/2011